quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A História de Bandike - Parte 2

     Desci do primeiro ônibus, estava com muita dor de garganta mas mesmo assim acendi um cigarro, hábito adolescente do qual eu achava que era viciada. Entrei no segundo ônibus, coração disparado, mãos suando, eu estava muito nervosa. Cheguei à feira de filhotes e vi o moço cara de garçom cabeleireiro:
- Moço, ainda tem os filhotes de pug?
- Todos vendidos, menos um, esse machinho.
     Ergui ele na altura dos meus olhos.
- Vou querer!
    Eu suava feito louca, enquanto o moço cara de garçom cabeleireiro ia chamar a tia dona do canil. Mil coisas passavam pela minha cabeça "meu deus eles não vão aceitar os cheques, alguém lá de casa vai chegar aqui agora, não vai dar certo". Preenchi os cheques e dei eles a tia dona do canil. PRONTO ele era agora era meu!
 - Ah mas espere menina ele só come esta ração, você pode comprar aqui comigo.
 - (p*%# não vou ter dinheiro pra comprar a ração) tá, tá vamos lá comprar!
Comprei o menor pacote possível e demos adeus ao moço cara de garçom cabeleireiro.
     Sobrou 30 reais no meu bolso e com eles entrei em um táxi e disse "Cavalhada, mas assim que der 30 reais o senhor para porque eu só tenho isso", ele desligou o taxímetro e me levou até em casa. 
Agora não tinha mais volta, eu sabia que meu pai estaria bêbado demais pra me xingar, mas tinha um outro detalhe... Esse detalhe saiu do quarto de salto alto em disparada sem ver e tropeçando no pequeno filhote, que saiu rolando da porta do quarto até o meio da sala.
- Josiani! O QUE É ISSO?!?!
   Acho que minha irmã só faltou sentar e chorar, mas logo ela ficou feliz com aquela bolinha enrugada em casa. 

       O nome dele na certidão era Spike, por causa do filme e aliás a frase "olha, é o cachorro do Mib" foi uma das que mais ouvimos na vida. Desde pequena eu tenho mania de achar que um certo animal combina com alguma letra ou alguma sílaba específica, é assim que escolho os nomes. Olhei pra ele e na hora pensei em B, alguns pensamentos depois surgiu: BANDIKE, não como o Bandit do desenho, mas com o som do K junto com o B. Aquela primeira noite ele chorou muito, sentindo falta da mãe e dos irmãos, ainda estava com o colarzinho de pérolas douradas no pescoço, coloquei ele na cama comigo, abracei de conchinha e dormimos. 
     
      Certo dia acordei e não achei ele em casa, procurei pela casa inteira, entrei em pânico. Percebi que tinha uma moça limpando a casa, meu pai as vezes pagava umas mulheres para fazer limpeza e almoço, mas nenhuma durava lá em casa. Ela me disse que meu pai tinha levado o cachorro pro bar. Eu voei na gaveta, pequei o número e liguei pro bar de nome "Garrafão". Pedi pra falar com o meu pai:
- CADÊ O MEU CACHORRO?
- Fui eu que paguei.
- NÃO INTERESSA, TRAZ ELE AGORA!!!
     Acho que meu pai ficou com medo de mim, não sei, só sei que em poucos minutos eles chegaram. Senti um alívio imenso. Acho que foi o primeiro amor maternal que senti na vida. Eu amava aquele filhote.
     
     Eu estava gripada e dormia com ele, logo percebi ele espirrando também, fiquei preocupada, liguei pra tia dona do canil:
- tu passou gripe pra ele, agora ele vai ter que fazer nebulização, vou passar pra pega-lo e te devolvo em dois dias.
     Era uma sexta feira quando ela passou lá em casa e levou meu filhote. Segunda feira e nada... Terça, quarta, quinta... Liguei de novo, por favor traga meu cachorro de volta! Era a primeira vez que eu sentia esse sentimento, um aperto dentro do peito, uma preocupação com um ser do qual eu era responsável. Quando ele finalmente chegou, depois de mais alguns dias, me questionei se seria de fato o Bandike, mas graças a uma marca de nascença que ele tinha na barriguinha, um pequeno espaço sem pêlos, pude confirmar.
     Sinto muita vergonha dessa parte da história, e gostaria que não tivesse acontecido. Certa vez meu pai levou uma coelhinha pra casa, minha irmã, mais uma vez quase sentou e chorou, na verdade ela deve ter feito isso de fato. Normalmente, meu pai levava os coelhos já mortos e colocava direto no frezzer, essa não, era branquinha e fofinha, colocamos seu nome de Raíssa. Com frequência eu passava a noite fora de casa porque a minha casa era longe e era muito difícil voltar pra casa de madrugada. Daquela vez não havia sido diferente, nós havíamos tocado em um show e chegamos em casa já pela manhã. Eu fui estúpida de achar que um filhote de cachorro poderia ficar junto com um coelhinho sem que nada acontecesse. Por certo ele quis brincar com ela e acabou matando-a. Eu fiquei com muita raiva e como ainda estava bêbada, dei um chute muito forte no Bandike, mesmo aquela culpa sendo minha. Enquanto eu chorava e meu namorado corria atrás de mim, meu amigo consolava o bandike que corria e chorava também, aquela cena foi horrível e só de escrever já fico muito, muito chateada. Essa foi a primeira e última vez que eu bati no meu cachorro, e NUNCA, nunca mais machuquei ele de forma alguma. Arrependo-me até hoje e se serviu para alguma coisa foi para que eu nunca mais batesse em nenhum animal, no mínimo pro resto da minha vida. Imatura, instável, incapaz, cheia de defeitos.

     Minha irmã levava o Bandike dentro do porta malas do Ká para tomar as vacinas, certa vez paramos na rua larga, próximo a Dea Coufal (que minha irmã adora) para ela me ensinar a dirigir. Era a primeira vez que eu pegava um carro, minha irmã estava no banco da carona e o Bandike nos seus pés. A ideia era que eu aprendesse a arrancar o carro mas as coisas saíram de controle e eu acabei em pleno trânsito com carros na frente, dos lados e atrás de mim. Com muita calma minha irmã, que estava apavorada, conseguiu me conduzir até o meio fio e eu estacionei o carro com todos os ocupantes sãos e salvos. 

    O Bandike começou a perder os pêlos do lombo, nas costas. O couro preto apareceu sobre as costelas e ele se coçava muito, e nós também:
- Ele deve estar com alguma alergia muito rara.
- Deve ser de pulga ou de algum produto.
- Vamos ter que voltar no veterinário.
O veterinário charmosão de meia idade, que deu bola para a minha irmã, não demorou para nos dar o diagnóstico:
- O cachorro está com sarna e vocês duas também.
    
     Saímos do veterinário direto para farmácia, com receitas de comprimidos e pomadas, pra nós três, a única diferença do tratamento era os banhos com um sabonete especial, que só o Bandike iria fazer. Sim, eu comprei um pug com predrigree por 1.500 reais que veio do canil com sarna. E sim eu já tive sarna.

     Na medida do possível as coisas iam dando certo, eu estava conseguindo dar conta daquele ser, ele era muito amado e bem cuidado, se dava bem com a minha gata e com todo mundo da casa. Aquele teste de responsabilidade estava dando certo, olhem só eu tinha um cachorro só meu. Aquele "filho" estava sendo bem criado e eu, pronta pra colocar a cabeça no lugar e refazer minha vida. Eu sonhava em ser veterinária, talvez fosse a hora de voltar a estudar, minha avó não voltaria mais e eu teria que arrumar motivações e ser responsável por conta própria. Pois bem, depois que passamos, Bandike e eu, uma noite agitada, dormindo na sala por causa do calor, o meu namorado chegou com a comprovação daquilo que estávamos duvidando.
- Quero que tu saibas que apesar do resultado vou estar do teu lado e...
- ABRE LOGOOO
- Josi, tu tá grávida!




Arrasando na webcan.

Par de vaso.

Bandike com sarna.

Banhos medicinais.




Nenhum comentário:

Postar um comentário