terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A História de Bandike


Parte 1

  Indiana, 1991. Shannon Hoon era louco por pugs. Esses cachorros com olhos enormes o encantavam, mas custavam tão caro. Seria difícil ter um... A menos que ele tivesse uma idéia... E então com seu amigo esperando ao lado de fora de uma pet shop com o carro ligado, Shannon surgiu correndo com o pequeno filhote nas mãos. Seu nome era Wooh. 
Mas o que isso tem a ver?
Ok. Volta, volta. 2005, Cavalhada, Porto Alegre.
     Os dias eram todos iguais, no computador jogando The Sims. Levanta, vai ao banheiro, volta, abre o msn, troca de música, vai demorar muito para o final de semana? Abre a geladeira, pega a guitarra e vai ensaiar. Dorme na casa da amiga, volta três dias depois, senta na frente do computador... Desde que ela partiu a vida não tinha muito sentido, nem muito motivo, eu não tinha mais ninguém a quem dar satisfação, minha vó era a única pessoa a quem eu fingia ter planos. A verdade era que eu nem sabia quem eu era. Estávamos naquela fase em que meu pai aparecia, dava seu ar, bebia umas 6 latinhas, fazia um miojo, dormia a tarde e saía sem deixar rastros ou melhor deixando muitos rastros de sujeira pela casa. Nenhuma de nós sabia se ele iria voltar. Com a morte da minha vó, minha irmã voltou a morar em casa. Havia alguns momentos bons. As vezes estávamos vendo tv na sala como as outras famílias e de repente ouvíamos o barulho inconfundível do motor dos carros da Chevrolet chegando na calçada, corríamos para o quarto e trancávamos a porta. 
 - Não era ele!
 - Vamos voltar então, depois da novela tem aquele programa hoje.
    Minha vó havia morrido em abril, após alguns meses no hospital, e eu estava me acostumando. Passei muitos desses dias com ela, ia visita-lá praticamente todos os dias. A partir do momento que ela se foi eu senti que nunca mais teria aquele cuidado, aquele conforto, aquela força e todas aquelas coisas maravilhosas que eu sentia quando estávamos juntas. Pela primeira vez na vida eu me sentia sem chão, sem gravidade. Se por acaso eu decidisse que ia morar no japão, eu poderia, não teria ninguém a quem pedir permissão, eu não teria que dizer como iria, como sobreviveria, eu não devia satisfação nenhuma a ninguém, eu tinha 18 anos.
    O colégio havia ficado parado há dois anos, eu havia acabado de terminar com o meu então namorado, na verdade estávamos dando um tempo. Eu tinha a minha banda e uma gata branca, a Kaká. Minha irmã estava estudando dia e noite para um concurso público, para nos tirar daquela vida e meu pai estava perambulando pra lá e pra cá havia anos.
Quando eu era criança minha vó costumava me levar em feiras de filhotes de cachorros, nós nunca compramos nenhum, eu gostava era de ver aqueles lindos filhotes. É claro que já existia abandono de animais, mas eram outros tempos, as feiras eram frequentes e acho que inofensivas, moralmente falando, e é claro, não para os peixes que eram dados como brinde em sacos plásticos fechados. Eu fiquei sabendo daquela feira de filhotes no Shopping e acho que por saudade ou para tentar voltar no tempo quis fazer como antigamente e fingir que minha avó ainda estava ali.
      Nos anos 90 havia uma banda de rock que lançou um single que havia me deixado com flash back do quarto da minha prima, o aparelho de telefone transparente, com todos aqueles fios amostra, aquela televisão pequena com o logo da MTV no canto inferior direito da tela e de uns carinhas cabeludos acompanhados de uma menina estranha vestida de abelha!
O Cd importado que custou muito caro para minha prima, só depois que minha vó deu alguns trocados a ela, passou a ser definitivamente meu. Alguma coisa naquela banda fazia eu me sentir no passado, um passado acolhedor e seguro. Naquele ano conturbado eu precisava me agarrar em algo, eu precisava pertencer a alguém. Amigos cibernéticos, troca de cd, tira uma música no violão, faz uma tatuagem igual ao do vocalista? não eu não fiz... Encontra um site estranho chamado Youtube, e finalmente lê que o vocalista da banda roubou um pug. Logo...
 -  Eu amo esses cachorros, não sei porque adoro essa raça, sempre gostei!
     Acho que pratiquei o famoso comportamento espelhado, como se gostar de algo de que eles gostassem  me fizesse membro do grupo.
     O scaler era uma bar onde todos os roqueiros dos anos 2000, e órfãos de movimentos, iam aos domingos, lá víamos os new metals com meias puxadas e dreads nos cabelos, os metaleiros cruéis de preto, os punks, os góticos maquiados com lápis de olho, os grunges de flanela e nós, os hiatos. UM cara que se vestia com camisas floreadas completamente reluzente em meio àquela penumbra, talvez ele sentisse algo parecido com o que eu sentia, ele se vestia assim para ter algo em comum com a banda que só ele gostava, os Pixies. E eu, naquela fase, com tocas de croche e roupas meio hippie.
      Fomos ao shopping, eu, o guri meu então namorado (que na verdade estávamos dando um tempo), a minha amiga Ana e seu namorado vegano. O cara vegano não pôde acreditar que estávamos indo dar dinheiro àqueles exploradores de animais, ficou na porta de fora do shopping com a namorada. Pagamos 20 reais para entrar. Depois de algumas fofuras resistíveis, ao lado esquerdo no fundo do corredor, estava aquela mamãe pug, com seus quatro filhotes. A insanidade do momento e a falta de responsabilidade me fizeram perguntar o preço:
 - Ounnn, quanto é cada filhote?
 -  1500 reais o macho e 1750 a fêmea, todos possuem pedrigree com árvore genealógica, atestado de pais e avós, coleiras anti-pulgas, coco já sai com bom ar e gostam de beatles, disse o cara com roupa de garçom e jeito de cabeleireiro das estrelas.
 -  ah ta, só to dando uma olhadinha.
    Desde então meus olhos se arregalaram como os daquela mamãe pug e eu só pensava em comprar aquele cachorro. Eu e o Shannon teríamos algo em comum, seríamos praticamente da mesma família, pensava minha imatura cabeça.
 - Eu ganho 250 por mês, em seis meses eu consigo. Mas não tenho todo esse tempo, precisava do dinheiro agora.... (pensa, pensa, pensa) PAI?!
    Eu ganhava pensão da minha mãe, não sei exatamente o valor, mas sei que 250 vinha pra mim e o resto ficava com a minha irmã. Comprava cigarros e xis pra todos meus amigos e de vez em quando passava na Renner.
 - Pai, tu me empresta uns cheques pra eu comprar um pedal de guitarra? Eu te pago em seis meses, juro!
 -  Ai minha filha, tô bêbado
 -  Tem que ser 4 cheques, pra eu poder parcelar (disse rápido com voz engasgada de nervoso)
Então um homem bêbado largou quatro cheques em branco assinados na mão de uma adolescente.
 -  Eu não tenho ninguém, nada me prende, quero testar minha responsabilidade, será que consigo cuidar de alguém? Esse cachorro vai ser o meu filho!

Resultado de imagem para shannon hoon pug
Vocalista do Blind Melon, Shannon Hoon e Wooh)

Imagem do clipe da música "No Rain" que mudou a minha vida e a do Bandike.

Um comentário:

  1. Querida, viajei... Vivi aqueles momentos... Amo vc!
    PS: redação muito boa !!! Gostei!
    Beijo!

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