Parte 1
Indiana, 1991. Shannon Hoon era louco por pugs. Esses
cachorros com olhos enormes o encantavam, mas custavam tão caro. Seria difícil ter
um... A menos que ele tivesse uma idéia... E então com seu amigo
esperando ao lado de fora de uma pet shop com o carro ligado, Shannon surgiu
correndo com o pequeno filhote nas mãos. Seu nome era Wooh.
Mas o que isso tem a ver?
Ok. Volta, volta. 2005, Cavalhada, Porto Alegre.
Os dias eram todos iguais, no computador jogando The Sims. Levanta,
vai ao banheiro, volta, abre o msn, troca de música, vai demorar muito para o
final de semana? Abre a geladeira, pega a guitarra e vai ensaiar. Dorme na casa
da amiga, volta três dias depois, senta na frente do computador... Desde que
ela partiu a vida não tinha muito sentido, nem muito motivo, eu não tinha mais
ninguém a quem dar satisfação, minha vó era a única pessoa a quem eu fingia ter
planos. A verdade era que eu nem sabia quem eu era. Estávamos naquela fase em
que meu pai aparecia, dava seu ar, bebia umas 6 latinhas, fazia um miojo, dormia
a tarde e saía sem deixar rastros ou melhor deixando muitos rastros de sujeira
pela casa. Nenhuma de nós sabia se ele iria voltar. Com a morte da minha vó, minha irmã voltou a morar em casa. Havia alguns momentos bons. As vezes
estávamos vendo tv na sala como as outras famílias e de repente ouvíamos o
barulho inconfundível do motor dos carros da Chevrolet chegando na calçada, corríamos
para o quarto e trancávamos a porta.
- Não era ele!
- Vamos voltar então, depois da novela tem
aquele programa hoje.
Minha vó havia morrido em abril, após alguns meses no
hospital, e eu estava me acostumando. Passei muitos desses dias com ela, ia visita-lá praticamente todos os dias. A partir do momento que ela se foi eu senti que
nunca mais teria aquele cuidado, aquele conforto, aquela força e todas aquelas
coisas maravilhosas que eu sentia quando estávamos juntas. Pela primeira vez
na vida eu me sentia sem chão, sem gravidade. Se por acaso eu decidisse que ia
morar no japão, eu poderia, não teria ninguém a quem pedir permissão, eu não
teria que dizer como iria, como sobreviveria, eu não devia satisfação nenhuma a
ninguém, eu tinha 18 anos.
O colégio havia ficado parado há dois anos, eu havia
acabado de terminar com o meu então namorado, na verdade estávamos dando um tempo. Eu
tinha a minha banda e uma gata branca, a Kaká. Minha irmã estava estudando dia
e noite para um concurso público, para nos tirar daquela vida e meu pai estava perambulando
pra lá e pra cá havia anos.
Quando eu era criança minha vó costumava me levar em feiras
de filhotes de cachorros, nós nunca compramos nenhum, eu gostava era de ver aqueles
lindos filhotes. É claro que já existia abandono de animais, mas eram outros
tempos, as feiras eram frequentes e acho que inofensivas, moralmente falando, e é
claro, não para os peixes que eram dados como brinde em sacos plásticos
fechados. Eu fiquei sabendo daquela feira de filhotes no Shopping e acho que
por saudade ou para tentar voltar no tempo quis fazer como antigamente e fingir
que minha avó ainda estava ali.
Nos anos 90 havia uma banda de rock que lançou um single que
havia me deixado com flash back do quarto da minha prima, o aparelho de telefone transparente, com todos aqueles fios amostra, aquela televisão
pequena com o logo da MTV no canto inferior direito da tela e de uns carinhas
cabeludos acompanhados de uma menina estranha vestida de abelha!
O Cd importado que custou muito caro para minha prima, só depois
que minha vó deu alguns trocados a ela, passou a ser definitivamente meu. Alguma
coisa naquela banda fazia eu me sentir no passado, um passado acolhedor e seguro.
Naquele ano conturbado eu precisava me agarrar em algo, eu precisava pertencer
a alguém. Amigos cibernéticos, troca de cd, tira uma música no violão, faz uma
tatuagem igual ao do vocalista? não eu não fiz... Encontra um site estranho
chamado Youtube, e finalmente lê que o vocalista da banda roubou um pug. Logo...
- Eu amo esses cachorros, não sei porque adoro
essa raça, sempre gostei!
Acho que pratiquei o famoso comportamento espelhado, como se
gostar de algo de que eles gostassem me fizesse membro do grupo.
O scaler era uma bar onde todos os roqueiros dos anos 2000,
e órfãos de movimentos, iam aos domingos, lá víamos os new metals com meias
puxadas e dreads nos cabelos, os metaleiros cruéis de preto, os punks, os góticos maquiados com lápis de olho,
os grunges de flanela e nós, os hiatos. UM cara que se vestia com camisas
floreadas completamente reluzente em meio àquela penumbra, talvez ele sentisse
algo parecido com o que eu sentia, ele se vestia assim para ter algo em comum com
a banda que só ele gostava, os Pixies. E eu, naquela fase, com tocas de croche
e roupas meio hippie.
Fomos ao shopping, eu, o guri meu então namorado (que na verdade estávamos dando um tempo), a minha amiga Ana e seu namorado vegano. O
cara vegano não pôde acreditar que estávamos indo dar dinheiro àqueles
exploradores de animais, ficou na porta de fora do shopping com a namorada.
Pagamos 20 reais para entrar. Depois de algumas fofuras resistíveis, ao lado
esquerdo no fundo do corredor, estava aquela mamãe pug, com seus quatro filhotes.
A insanidade do momento e a falta de responsabilidade me fizeram perguntar o preço:
- Ounnn, quanto é
cada filhote?
- 1500 reais o macho e 1750 a fêmea, todos possuem
pedrigree com árvore genealógica, atestado de pais e avós, coleiras
anti-pulgas, coco já sai com bom ar e gostam de beatles, disse o cara com roupa de
garçom e jeito de cabeleireiro das estrelas.
- ah ta, só to dando uma olhadinha.
Desde então meus olhos se arregalaram como os daquela mamãe
pug e eu só pensava em comprar aquele cachorro. Eu e o Shannon teríamos algo em
comum, seríamos praticamente da mesma família, pensava minha imatura cabeça.
- Eu ganho 250 por
mês, em seis meses eu consigo. Mas não tenho todo esse tempo, precisava do
dinheiro agora.... (pensa, pensa, pensa) PAI?!
Eu ganhava pensão da minha mãe, não sei exatamente o valor,
mas sei que 250 vinha pra mim e o resto ficava com a minha irmã. Comprava
cigarros e xis pra todos meus amigos e de vez em quando passava na Renner.
- Pai, tu me empresta
uns cheques pra eu comprar um pedal de guitarra? Eu te pago em seis meses,
juro!
- Ai minha filha, tô bêbado
- Tem que ser 4 cheques, pra eu poder parcelar
(disse rápido com voz engasgada de nervoso)
Então um homem bêbado largou quatro cheques em branco
assinados na mão de uma adolescente.
- Eu não tenho ninguém, nada me prende, quero
testar minha responsabilidade, será que consigo cuidar de alguém? Esse cachorro
vai ser o meu filho!
Vocalista do Blind Melon, Shannon Hoon e Wooh)
Imagem do clipe da música "No Rain" que mudou a minha vida e a do Bandike.
Querida, viajei... Vivi aqueles momentos... Amo vc!
ResponderExcluirPS: redação muito boa !!! Gostei!
Beijo!